quinta-feira, março 22, 2007

O caso do Solitário

Pra variar, em mais um momento garimpeiro do mar virtual, encontrei uma notícia que me chamou a atenção, e, mais ainda, com o trecho da entrevista que reproduzo a seguir. Para quem quiser ler a matéria inteira, clica no link do título. Um resuminho só para contextualizar: tal senhor, o dito Solitário, foi pra Goiás morrer, se deitou em uma praça e ali estava esperando a morte, mas o "Estado" não o deixou morrer, transferindo-o a um hospital, lá, ele tornou-se um mistério e mais um chamarisco para a nossa tão bem quista imprensa.

(...)

Quando os microfones miram na boca do Solitário, ele come lentamente um pedaço de pão e toma um copo de água. Finalmente, solicita com sua voz quase inaudível: “"Os senhores... podem esperar eu comer?”" Após alguns minutos, ele chama a atenção de um dos repórteres que havia feito uma pergunta sobre a sua preferência literária por Sócrates.

– Se você tivesse lido alguma coisa dele, não me perguntaria isso.
– Quem é o senhor?
– Não é necessário. Os senhores poderiam dominar um pouco a curiosidade.
– Mas é que somos jornalistas e somos curiosos.
– Há 51 dias... Minha missão terminou... Vim a Goiás pra morrer mais anonimamente e, até agora, não consegui.
– E por que o senhor tentou se matar? Desilusão?
– Na minha idade, não há desilusão. Há decisão.
Então, o repórter dispara a típica pergunta do jornalismo televisivo:
– O que o senhor gostaria de falar para as pessoas que estão lhe assistindo?
– Fracassei. Vocês me forçaram.
– Mas é que as pessoas não querem que o senhor morra.
– Que gentileza...
– O senhor acha que não existe beleza na vida?
– – A beleza é... ser racional. O ser humano precisa aprender a ser gente, porque, até agora, ele só tem uma falsa racionalidade. Se A é B, E é C, então devemos concluir que A é igual a C.

Silêncio. Ninguém entende o cálculo. Ele sorri discretamente. Enquanto todos se preocupam com a sua identidade, ele busca algo que só alguém prestes a “"desencarnar”" enxerga. Na quinta-feira 12, o estado de saúde do Solitário piorou. Em uma crise de choro, Alba comentou com ele que seu medo é ter de enterrá-lo como indigente. Ele questionou com os olhos fechados: “"Que diferença faz?"

4 Comments:

At segunda-feira, março 26, 2007, Blogger Rafael said...

Sábio o Solitário. Não temos direito a porra nenhuma sem um código moral definido. Julgamos sem saber o que é correto.

O cara só queria tranquilidade pra morrer. O pessoal não tem o mínimo de respeito pelo ser humano racional.

 
At terça-feira, abril 03, 2007, Blogger Leonardo Croatan said...

O maius interessante é que o primeiro médico disse que ele tem o direito de morrer.

Posso estar errado, mas acho que o pessoal quando se forma em medicina faz algum juramento ou coisa do tipo pra proteger a vida acima de tudo.

Tem uma outra discussão nesse sentido sobre o pessoal que é testemunha de jeová, que não aceita transfusão de sangue. Isso tem gerado muita discussão, até mesmo judicial, ultimamente.

Se a liberdade depende de deliberação alheia, então creio que não seja a mesma liberdade que eu vislumbro.

 
At terça-feira, abril 03, 2007, Blogger Leonardo Croatan said...

Tem uma análise no http://www.jornalopcao.com.br/index.asp?secao=Imprensa&subsecao=Colunas&idjornal=208

Ainda sobre o solitário, achei essa matéria no casadoshospitais.com.br...




"Um mistério que
chega ao fim

Idoso internado há 12 dias no Hugo
é identificado pela família. Ele é
advogado, filósofo e fala cinco idiomas

Carla Borges

Joaquim de Souza Duarte, 78 anos, formado em Direito e Filosofia pela Universidade de Brasília (UnB), fala fluentemente cinco idiomas – inglês, francês, espanhol, grego arcaico e latim –, que aperfeiçoou nos anos como seminarista, pai de 13 filhos, 11 deles vivos. Essa é a identidade do Solitário Anônimo, como ele mesmo se nomeou em um bilhete que trouxe consigo, o homem que foi salvo da morte por inanição graças a uma decisão judicial, da juíza de Bela Vista de Goiás, Vanessa Estrela, que, no final de setembro, mandou alimentá-lo e medicá-lo à força. Depois de quase duas semanas de investigação, agentes da Polícia Federal e a coordenadora do Serviço Social do Hospital de Urgências de Goiânia (Hugo) localizaram ontem os parentes dele, mas o mistério permanece.

Um telefonema de agentes da PF, ontem de manhã, pôs fim a 1 ano e 7 meses de buscas frustradas e espera por notícias: a primeira a saber que Duarte está internado no 5º andar do Hugo, recuperando-se da grave anemia e outras conseqüências que três semanas de fome causaram ao seu organismo, foi Regina, a ex-mulher que mora em Palmas, com quem ele foi casado pela segunda vez e tem quatro filhos. “Foi um susto. Isso tudo é tão surpreendente para vocês como foi para a gente, ainda mais com o perfil dele”, desabafou Celso Duarte, 47, funcionário público, filho de Joaquim, que mora em Brasília e chegou ao Hugo no meio da tarde, junto com a mulher, Márcia, a irmã, Raquel, e outro irmão.

Celso contou ao POPULAR que jamais ele ou os irmãos sequer imaginaram que o pai pudesse estar em dificuldades, muito menos que ele decidisse morrer, como fez. Joaquim parou de se alimentar deliberadamente, durante aproximadamente 20 dias em que esteve hospedado em um pequeno hotel de Bela Vista, cidade a 45 quilômetros de Goiânia, antes de se abandonar na praça da rodoviária, quando achou que a morte finalmente estava chegando. Levado a um abrigo municipal para idosos, ele só foi medicado depois da decisão judicial, pois reivindicava o “direito constitucional de morrer”. Ele está há 12 dias na ala de Geriatria do Hugo, onde ganhou peso e vem melhorando, apesar de uma pneumonia.

Celso e Raquel contaram que essa foi a quarta vez que o pai saiu de casa. Em uma das saídas, ele se estabeleceu como advogado em Alto Paraíso, na Chapada dos Veadeiros, na Região Nordeste de Goiás; em outra, montou uma escola de línguas em Porto Seguro (BA); também percorreu dezenas de cidades do interior de Minas Gerais, Bahia e São Paulo. “Sempre ele dava notícias. Demorava um pouco, mas dava. Desta vez, não”, revelou Raquel, muito emocionada. Ela, que tem 23 anos e é estudante de Engenharia de Alimentos em Palmas, foi a primeira a saber sobre a localização do pai. Raquel estava voltando de um congresso em Curitiba (PR) e passava o final de semana na casa do irmão Celso, em Brasília.

No início da noite de ontem, os filhos ainda estavam assimilando as informações e o choque por encontrar Joaquim internado em um pronto-socorro. A tristeza e a ansiedade pelo reencontro deram lugar a outra emoção, igualmente forte: Joaquim não quis conversar com os filhos. Calou-se também para a coordenadora do Serviço Social do Hugo, Albemar Carvalho de Araújo Genovesi, de quem se tornou amigo. Os motivos sobre sua decisão de morrer continuam um segredo só dele. Segundo a família, Joaquim não tem nenhuma doença de causa orgânica ou psíquica. Mesmo quando estava profundamente desidratado e no limite de suas forças, ele se mostrou lúcido e convicto.

Livros
Joaquim Duarte estava morando em Goiânia desde o ano passado e provavelmente veio para a cidade logo depois de sair de Palmas. Ele havia alugado uma quitinete no Centro, onde ainda é possível ver as inscrições no toldo da fachada: “aulas de inglês e espanhol”. Quando recebeu o paciente não-identificado, a chefe do Serviço Social do Hugo fez como de praxe nesses casos: mobilizou a estrutura de que dispõe e o faro apurado por anos no trabalho para tentar identificar os familiares. Ela temia – e chegou a dizer isso a ele - que o paciente morresse no local e fosse enterrado como indigente. “Ele dizia que o corpo é só matéria e que isso não é importante”, diz.

Uma das possibilidades levantadas era de que o Solitário Anônimo fosse o Professor, um morador de rua que desapareceu há três meses da Praça XV, em Florianópolis (SC), hipótese reforçada pela semelhança física entre ambos e também pelo humor refinado, o vocabulário rico e a paixão pela filosofia. Joaquim já escreveu livros. “São romances com fundo filosófico. Na verdade, ele usa a literatura para dar vazão a conceitos filosóficos”, diz Celso. “Todos nós tivemos influência desse gosto pela filosofia”, conta Raquel. Joaquim tem uma formação musical clássica, toca piano, órgão e violão.

Joaquim é descrito pelos filhos como um homem muito trabalhador e de relações sociais muito restritas. A nora, Márcia, lembra que ele também dedica-se à espiritualidade. Outros parentes estavam sendo aguardados ainda ontem, entre eles, Regina, para quem ele sempre ligava para dar notícias. A esperança dos filhos era de que a receptividade de Joaquim para a ex-mulher fosse maior. Ele fez o possível para não fornecer pistas que pudessem levar à sua verdadeira identidade, mas um gesto de altruismo acabou facilitando sua identificação: um acompanhante de um paciente o reconheceu como o homem que doou os móveis para um abrigo. Do abrigo para a quitinete e de lá para a cópia da identidade da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Tocantins foi questão de tempo.(O Popular)"

 
At quinta-feira, abril 05, 2007, Blogger Rafael said...

Porra! Os caras sempre esquecem de dizer uma coisa: Por que não deixaram o cara morrer?!!??!?
Cada notícia que leio me deixa mais indignado, a vontade de um senhor de 78 anos não é respeitada e é tratada como "a salvação", "o alívio" por não terem deixado o Solitário morrer por conta própria e pela sua vontade. Os caras ainda acham que fizeram um bem. Quero que todos eles definam o que é bem antes de comemorar...

 

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