sexta-feira, novembro 17, 2006

Valores (?) no Trem

Pois é, pessoal. De vez em quando eu escrevo uns contos, pra desenvolver a escrita e expressar algumas idéias. Abaixo segue um acerca da utilização da máscara dos gestos "bons" em relação a suas motivações. eu geralmente descrevo mais elementos e não deixo muita coisa subentendida, mas este conto, em especial, tem mais pontos a deduzir. Segue abaixo:


Entrou rapidamente assim que a porta do metrô abriu. A cintura larga e a pele lisa davam a impressão de menos idade em relação ao que o cabelo totalmente branco e curto aparentava. Passou pelo banco reservado para idosos e fez uma careta de irritação. Havia dois jovens sentados, um rapaz com estilo de surfista e uma garota rechonchuda de bochechas rosadas e saudáveis. A preocupação com a falta de educação dos jovens impediu-o de reparar nos três lugares vazios que havia no vagão. Não se dirigiu aos que indevidamente ocupavam aquele banco, restringindo-se a transparecer sua irresignação em sua expressão facial.

Pouco depois, um outro senhor, esquálido e visivelmente fraco – o que era corroborado pela grande curvatura em suas costas – passou diante dos jovens. Os outros três lugares não estavam mais vagos, e os olhos do envelhecido homem dançavam buscando uma vaga para seu corpo, que continuava a mover-se arrastadamente.

Foi quando uma mulher obesa, cujas feições lembravam a de um porco, que estava sentada em frente ao senhor de cabelo totalmente branco, levantou-se e gentilmente cedeu seu lugar ao velho. De tão caquético, ele mal teve forças para agradecer, sentindo o alívio de escorar suas ancas já sem músculos em um banco qualquer.

O homem de cabelos brancos imediatamente iniciou um discurso venerando a atitude responsável e educada da mulher com cara de porco, ressaltando a falta de valores que assola a juventude dos novos tempos. O tom do discurso elevava-se juntamente com a aceleração do trem. A mulher reiterou as palavras que ouvia, dizendo que havia nascido em uma família marcada pela boa educação e pelos costumes humanitários, e seus gestos eram tão somente efeitos da boa criação que teve.

A jovem rechonchuda, atenta, ergueu-se e parou em pé, na frente do outro jovem, que dirigiu a ela um olhar de indagação. "Estão falando de nós", respondeu. O jovial rapaz, ao compreender a resposta, ergueu-se imediatamente e ambos permaneceram em pé, ao lado do banco reservado para idosos.

O banco seguiu vazio, e assim permaneceu até que o trem chegasse à última estação, sob os ruídos do discurso exemplar do senhor de cabelos brancos atrapalhando a melodia das rodas em atrito com os trilhos.

2 Comments:

At segunda-feira, novembro 20, 2006, Blogger Rafael said...

Já te falei isso cara: o teu texto é instigante. Quando o leio quero devorar as linhas em busca do final. Acho que tu poderias investir neste rumo da escrita paralelamente com teus outros caminhos.

Um outro escritor é possível

 
At segunda-feira, novembro 20, 2006, Blogger Leonardo Croatan said...

Valeu, cara. Quando tiver mais alguam coisa nesse sentido, posto aqui no blog. Acho que tenho mais um só. vou ver se acho. Por enquanto, meus escritos se limitam ao Tabalho de Conclusão do Curso.

 

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