A Voz do Povo, a Voz de Deus e outras Alucinações da Democracia
Costuma-se dizer que o bem da sociedade está nos interesses do povo. Dessa forma, cria-se e consolida-se o dito "a voz do povo é a voz de Deus", muitíssimo bem recebido e aceito pela sociedade brasileira. Podemos, a partir do ditado, traduzir Deus como a valoração máxima de tudo o que é bom para a sociedade em geral.
Tratando da expressão da voz do povo, podemos verificar que, frente ao atual conceito de democracia, essa voz somente poderá proferir palavras através dos meios que já estabelecidos. O que quero dizer, portanto, é que a vontade do grupo denominado povo é, em apertada síntese, expressada través do voto obrigatório. Assim, cada voto tem a presunçosa função de representar um interesse individual de cada componente da sociedade.
Porém, a capacidade de traduzir interesses pessoais em votação restringe-se às opções de voto, ou seja, aos candidatos. Provavelmente em razão da forma através da qual a sociedade brasileira obteve o direito ao voto direto, o que é valorizado é o ato de votar em si, e não o conteúdo expressivo que deveria constar no mesmo.
Pior ainda que valorizar um ato sem efetuar juízo de valor é fazê-lo sem finalidade lógica. O que ocorre com a voz do povo é o seu direcionamento a certos ícones que não correspondem à construção dos interesses do indivíduo, de forma que o voto não é expressão do interesse, mas o interesse é expressão da opção de voto.
Assim, crendo nas parcas opções, o povo, que supostamente empresta boca à voz de Deus, imputa a si mesmo interesses que lhe concedem uma identidade. Essa identidade não é resultado natural da soma de valores do indivíduo, mas sim construída pelo grupo social do qual fará parte. E, dentro da variedade de grupos sociais, o interesse da maioria será instituído em detrimento da minoria.
A voz do povo, nesse caso, acaba por ser, de forma prática, a voz da maioria. A maioria, por sua vez, dentro de engrenagens sociais que funcionam sem qualquer fundamento racional, é resultado de ideologias massificadas. O termo Deus, pela importância que tem historicamente vinculada a si, é utilizado para conferir poder aos desejos que emanam do povo.
O povo que faz diferença, atualmente, é apenas uma massa sem potencial crítico, que se incumbe da única tarefa de escolher por qual idéia "lutar", e dessa forma proferir as palavras da voz de Deus.
É contra essa visão que me manifesto. Não há de prosperar uma sociedade que não age com finalidades objetivas, e cria suas premissas com o objetivo de viver sobre ícones voltados a disfarçar uma falta de valores conhecida mas não admitida expressamente.
3 Comments:
Fato é que são essas pessoas acríticas que reclamam das próprias vidas e estão sempre recriando suas realidades fantasiosas. Detestam a correria mas não "caminham" um momento pra pensar sobre sua maneira de viver. Creio que o governo nada mais é do que o reflexo da sociedade medícre irracional. Ao reclamar de um governo sem buscar um meio de modificar a realidade se atesta a própria incompetência...
Isso mesmo. Há muito tempo se reclama da corrupção, mas insiste-se em combater-se o voto nulo, por exemplo, porque é preciso votar e ponto final. É essa falta de valor que ferra tudo.
Para o eleitor comum é tão difícil admitir que, por não encontrar nenhum candidato que espelhe sua ideologia, votará em branco? Essa campanha contra o voto nulo, por essa linha de raciocínio, parece ser uma campanha para que o povo não pense que estamos sendo representados por medíocre e que, seguindo a lógica exposta aqui no blog, por conseguinte, o povo o é!
Manipulação total, usando falsos moralismos, por exemplo definir o ato de anular o voto como covardia, derruba-se uma constatação legal: eu voto em quem EU acredito que irá ME representar, se Eu achar que nenhum candidato irá fazê-lo, EU voto em branco!
Ainda não conseguiram me convencer de que isso é errado...
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