O problema em
tentar se analisar uma manifestação como a que está(va) ocorrendo no Brasil
nesse atual momento é escolher o foco. Inobstante a profusão de temas inseridos
nessa manifestação passíveis de análise (de louváveis a miseráveis temas), prefiro,
nesse momento inicial, falar um pouco sobre tudo o que vejo e penso e, depois,
nas próximas digressões solitárias (se houver), aprofundar, inclusive com dados
concretos, cada tema.
Desde o início,
ou melhor, desde antes essa manifestação começar, eu já tinha em minha mente
que somente a manifestação pacífica não leva a lugar algum. Posso dizer já de
pronto que a Revolução Francesa, reconhecida pelo triunfo do lema “liberdade,
igualdade e fraternidade”, só se concretizou porque o povo invadiu o Palácio da
Bastilha e assassinou o casal de monarcas franceses. E agora os defensores de
todos os direitos assegurados pela Revolução Francesa dizem que a violência não
é concebível como meio de protesto? Alguma coisa para mim não resta bem
digerida quando vejo as manifestações de políticos e mesmo da mídia em geral
repudiando a violência. Tudo bem, não a incitem, mas pelo menos a analisem, não
caindo só no chavão de referir que uma “minoria de vândalos” foi responsável
por isso e aquilo.
Não, não estou
defendendo a política da violência como a que vem sendo realizada por marginais
ao final de cada manifestação. O que eles fazem é crime, e prefiro não
ingressar em discussão mais profunda sobre eles. Voltando à política da
violência legítima, tal como a exercida pelos marselheses, entendo que ela não
é a solução, mas sem ela, o povo, que erra o alvo a cada eleição, fica
desarmado. Sim, eu acho errado destruir as propriedades privadas, mas, como
disse, não é esse tipo de violência que defendo.
Muitos
políticos, antes que a “força popular” se aproximasse de seus bunkers (ops,
patrimônio público), apoiavam a manifestação, dizendo tratar-se de um pleno
exercício da democracia, um exemplo a ser seguido de exercício legítimo da
cidadania. Porém, percebendo que a turba já não estava mais questionando a
longínqua ganância dos empresários do setor de transporte público, começaram a
mudar seu discurso, ressaltando a necessidade das manifestações serem
pacíficas. Não parece estranho?
Manifestação
pacífica... manifestação pacífica... de cara, lembro das recentes manifestações
pacíficas sobre a nomeação do dep. federal Marco Feliciano para a Comissão de
Direitos Humanos da Câmara Legislativa. Lembram? Aquilo era ou não era
manifestação pacífica? Como não depredaram nada, vamos dizer que era uma
manifestação pacífica. Tinha apoio popular? Tinha. Os manifestantes utilizaram
a via adequada? Sim, eles participavam das sessões até então públicas para a
definição do presidente daquela Comissão. No que resultou essa manifestação?
Intervenção dos seguranças do congresso, à força, contra grupos de homossexuais
que, convenhamos, não causariam nenhum estrago ao patrimônio público. Além
disso, as sessões até então pública, tornaram-se restritas, pra não dizer
secretas. E o nobre deputado, nada legitimamente indicado para ocupar aquele
cargo, assumiu, defendendo a sua nomeação (que foi política) porque foi eleito
legitimamente (graças a um nicho religioso que nem de longe representa a
maioria da população brasileira) e hoje, recentemente, o ilustre deputado
conduziu a aprovação da cura gay, manobra unilateral e totalmente viciada pelas
convicções religiosas pessoais do parlamentar, esquecendo de todos os
princípios e valores insculpidos na Constituição Federal, inclusive de que o
Brasil é um estado laico que privilegia, dentre outras liberdades, a sexual.
Se não fosse a
violência e a iminência de uma intervenção federal ou militar, não haveria a
redução do valor das passagens, mas a população continuará acreditando que as manifestações
pacíficas foram a motivação para o que queriam. É por isso que não consigo
simpatizar com esses manifestantes pacíficos nesse momento. Tento acreditar, no
entanto, que essas manifestações serviram para unir vozes antes solitárias (ou
só imaginárias), vozes que, no entanto, não se uniram às vozes da coletividade,
mas sim daqueles que perceberam a desproporcionalidade entre a “arma” utilizada
e o “alvo”. Seria como utilizar uma bomba atômica para matar uma mosca. Espero
que essa bomba utilizada não fosse a única que temos. De qualquer forma, acho
que reavivar o “um outro homem” já é um início de construção.