terça-feira, setembro 25, 2007

O Absolutismo e o Cartunista Cigano

Tenho um amigo com o qual converso de vez em quando. Ele tem um posicionamento sócio-político interessante: é uma espécie de "live and let die", mas é a favor de um regime ditatorial que impeça as pessoas de pensarem burrices. Eu, como vocês devem imaginar, discordo - pelo menos em parte - dessa premissa, uma vez que o máximo controle que se poderia realizar é o objetivo, nunca sendo possível levar uma pessoa a ser racional (aspecto subjetivo).


Eu andei pensando que é muito difícil encontrar um "empregador" nos moldes que gostaríamos. Assim, a mais eficaz forma de se fazer realmente o que gosta seria não trabalhar pra ninguém. Sendo patrão de si mesmo, seria possível determinar cada ato, e, mais do que isso, escolher com quem se trabalharia. Escolher aqueles com quem se trabalharia seria como escolher uma micro-sociedade, a qual em nada poderia deliberar, sendo, então, uma espécie de regime absolutista, diferente dos historicamente vistos por aceitar opiniões.


O que quero dizer é que o absolutismo, de uma forma geral, consiste numa micro-cultura interessante, não para construir um mundo ideal, mas para evitar os prejuízos advindos do poder de direção nas mãos de incompetentes.




E hoje eu caminhava pela Borges de Medeiros, já mencionada em postagem anterior, quando vi o cara dos desenhos ali sentado. Um cobertor o envolvia, e o montinho formado era sucedido por um cartaz pequeno pedindo moedas. Dirigi-me a ele:


- Aê, meu, vou te dar uma moeda.

- Ah, muito obrigado.

- Cara, tu por acaso é Luís Carlos da Rocha?

- Ah, sim, esse é meu nome brasileiro.

- Brasileiro? E qual é o teu outro nome?

- É que eu sou filho de ciganos. Meus pais morreram, e eu saí dessa vida porque só tem ladrão e sem-vergonha.

- Ah, quer dizer que tu é cigano?

- Sim, e eu tenho meu nome de cigano.

- Tá, e qual é o teu nome de cigano?

- É Diango (ele pronunciou "django") Louiz de la Rocha.

- John Luiz de la Rocha?

- Não. Diango Louiz de la Rocha.


Entreguei as moedas e pedi que ele continuasse desenhando, porque eu gostava de ver os desenhos. Ele apenas acenou com a cabeça.


Quando segui em meu caminho, vi mais três desenhos expostos no chão. O primeiro deles era sensacional, e eu, de terno e gravata, ri sozinho no topo da Borges de Medeiros. Um personagem dizia algo como:


- Já sei (o "já sei" eu tenho certeza que estava na frase. Foi o que mais me prendeu a atenção), você é um mendigo sujo que veio trazer a podridão pra nossa vida?


E a resposta do mendigo desenhado:


- Não, sou o mendigo que resolve os problemas da senhora sua mãe, até a hora em que ela se decidir que é uma vagabunda.


Havia mais algumas palavras de menor calão, mas a idéia era boa. Uma resposta seca pra uma realidade seca. No último desenho, entendi bem o nome não-brasileiro de Luís Carlinhos: "autoria: cartunista cigano Diango Louiz de la Rocha".


Pensei no absolutismo. E pensei nas tirinhas horríveis que vêm todo sábado no Correio do Povo. Eu detesto "Libório e Betinho" e "Rua Paraíso". Se eu fosse o chefe absoluto dos jornais, publicaria Luís Carlinhos, e não aquelas porcarias. E não faria diferença se as pessoas compreendessem ou achassem graça dos desenhos de Diango. Eu acharia bom e que se foda. Estaria livre de toda a irracionalidade de quem cultiva coisas sem sentido. E não me importaria com o que os outros pensassem. Entendem o que quero dizer?


E assim achei um jeito de defender o absolutismo. Egoístas que somos, um homem que está certo de suas convicções é um homem, em princípio, irredutível. Absoluto. E se algum raciocínio o convencer do contrário, seu novo posicionamento será um novo absoluto.


Eu continuo achando que o absolutismo não é uma forma adequada de governo. Mas creio no absolutismo individual como condutor de caráter - não confundir com teimosia - e agora acredito nos desenhos de Diango. Ele desenvolve uns bem ruins, mas ainda assim tem inegável potencial.


O bastante para ser absoluto em si próprio.

quarta-feira, setembro 19, 2007

Maquiando a Realidade

- Por que tu usa tanta maquiagem?

Eu perguntei, achei exagerado aquilo, fiquei com medo de que outros pudessem fazer um comentário achando que ela era bonita. Imagina se isso acontece! Tenho que lutar pelo que é certo né?

- Ai, sei lá, é pra me sentir mais bonita!

Ela falou com aquela voz que gera pena e nojo ao mesmo tempo: voz fina, melosa, como se fizesse parte da maquiagem. Será que alguém pode ouvir essa voz todo dia sem ficar louco? Tem que maquiar os ouvidos também!

- Quer dizer que tu não te acha bonita, ao natural?

Lógica simples, concordam?

- Não é isso! É que eu me sinto melhor assim!

Ah tá, ela encontrou uma resposta coerente.

- Então quer dizer que tu te sente mal sem maquiagem?

Não, eu não achei coerente, apliquei a lógica mais uma vez.

- Porra meu, que que tu quer?

Ah sim, o namorado dela não usava maquiagem, apesar do gel no cabelo e suas roupas impostas. O que não deixa de ser uma maquiagem. Mas ele veio defender seu amor, nada mais justo.

- Eu? Eu não quero nada, desculpa. Só não quero que as pessoas façam mal juízo da tua guria!

Acabei de falar e pensei: ele não vai entender.

- Como assim? Tu tá chamando ela de quê?

Ele não entendeu.

- Eu não to chamando ela de nada! Só não quero que o pessoal diga que ela é bonita assim, sem saber o que ela esconde por trás de tanta maquiagem.

De novo, a sensação ruim ao final da frase dita. Ele não iria entender. E o pior: poderia acontecer algo imprevisto, talvez irracional.

Doeu o soco que ele me deu. Mas só senti depois. Depois de ter, por instinto, socado muito a cara dele e de ter empurrado a guria, que veio ao seu auxílio, muito longe. Provavelmente ela deve ter se machucado um pouco, nada que uma maquiagem não esconda. Já ele...

Muita gente me segurou. Não entendi. Eu estava errado?

- Meu filho, aqui todo mundo tem razão.

Foi o que me falou o “Jão”, preso há mais de 4 anos por ter tentado assaltar um mercado. Tentativa tem pena mais branda. O problema é que, no desespero, ao se ver cercado por policiais, ele não aguentou ouvir o que o dono do mercado lhe falava: “tu vai te foder, seu negro vagabundo miserável!” O “Jão” nunca teve emprego com carteira assinada. Tinha, naquela época, 24 anos e 3 filhos.

O “Jão”, agora, era um dos meus 43 companheiros de cela.