Tenho um amigo com o qual converso de vez em quando. Ele tem um posicionamento sócio-político interessante: é uma espécie de "live and let die", mas é a favor de um regime ditatorial que impeça as pessoas de pensarem burrices. Eu, como vocês devem imaginar, discordo - pelo menos em parte - dessa premissa, uma vez que o máximo controle que se poderia realizar é o objetivo, nunca sendo possível levar uma pessoa a ser racional (aspecto subjetivo).
Eu andei pensando que é muito difícil encontrar um "empregador" nos moldes que gostaríamos. Assim, a mais eficaz forma de se fazer realmente o que gosta seria não trabalhar pra ninguém. Sendo patrão de si mesmo, seria possível determinar cada ato, e, mais do que isso, escolher com quem se trabalharia. Escolher aqueles com quem se trabalharia seria como escolher uma micro-sociedade, a qual em nada poderia deliberar, sendo, então, uma espécie de regime absolutista, diferente dos historicamente vistos por aceitar opiniões.
O que quero dizer é que o absolutismo, de uma forma geral, consiste numa micro-cultura interessante, não para construir um mundo ideal, mas para evitar os prejuízos advindos do poder de direção nas mãos de incompetentes.
E hoje eu caminhava pela Borges de Medeiros, já mencionada em postagem anterior, quando vi o cara dos desenhos ali sentado. Um cobertor o envolvia, e o montinho formado era sucedido por um cartaz pequeno pedindo moedas. Dirigi-me a ele:
- Aê, meu, vou te dar uma moeda.
- Ah, muito obrigado.
- Cara, tu por acaso é Luís Carlos da Rocha?
- Ah, sim, esse é meu nome brasileiro.
- Brasileiro? E qual é o teu outro nome?
- É que eu sou filho de ciganos. Meus pais morreram, e eu saí dessa vida porque só tem ladrão e sem-vergonha.
- Ah, quer dizer que tu é cigano?
- Sim, e eu tenho meu nome de cigano.
- Tá, e qual é o teu nome de cigano?
- É Diango (ele pronunciou "django") Louiz de la Rocha.
- John Luiz de la Rocha?
- Não. Diango Louiz de la Rocha.
Entreguei as moedas e pedi que ele continuasse desenhando, porque eu gostava de ver os desenhos. Ele apenas acenou com a cabeça.
Quando segui em meu caminho, vi mais três desenhos expostos no chão. O primeiro deles era sensacional, e eu, de terno e gravata, ri sozinho no topo da Borges de Medeiros. Um personagem dizia algo como:
- Já sei (o "já sei" eu tenho certeza que estava na frase. Foi o que mais me prendeu a atenção), você é um mendigo sujo que veio trazer a podridão pra nossa vida?
E a resposta do mendigo desenhado:
- Não, sou o mendigo que resolve os problemas da senhora sua mãe, até a hora em que ela se decidir que é uma vagabunda.
Havia mais algumas palavras de menor calão, mas a idéia era boa. Uma resposta seca pra uma realidade seca. No último desenho, entendi bem o nome não-brasileiro de Luís Carlinhos: "autoria: cartunista cigano Diango Louiz de la Rocha".
Pensei no absolutismo. E pensei nas tirinhas horríveis que vêm todo sábado no Correio do Povo. Eu detesto "Libório e Betinho" e "Rua Paraíso". Se eu fosse o chefe absoluto dos jornais, publicaria Luís Carlinhos, e não aquelas porcarias. E não faria diferença se as pessoas compreendessem ou achassem graça dos desenhos de Diango. Eu acharia bom e que se foda. Estaria livre de toda a irracionalidade de quem cultiva coisas sem sentido. E não me importaria com o que os outros pensassem. Entendem o que quero dizer?
E assim achei um jeito de defender o absolutismo. Egoístas que somos, um homem que está certo de suas convicções é um homem, em princípio, irredutível. Absoluto. E se algum raciocínio o convencer do contrário, seu novo posicionamento será um novo absoluto.
Eu continuo achando que o absolutismo não é uma forma adequada de governo. Mas creio no absolutismo individual como condutor de caráter - não confundir com teimosia - e agora acredito nos desenhos de Diango. Ele desenvolve uns bem ruins, mas ainda assim tem inegável potencial.
O bastante para ser absoluto em si próprio.